sábado, 27 de abril de 2013


 
SERMÕES DE SANTO ANTÔNIO DE PÁDOA
Na solidão encontrarás o Senhor 
1. Naquele tempo disse Jesus a Pedro: “Segue-me” (Jo 21,19). Neste passo do Evangelho, podem-seobservar duas coisas: a imitação de Cristo e seu amor para com seu fiel discípulo.
I - A Imitação de Cristo.
2. A imitação de Cristo está expressa nas palavras: “Segue-me”. Sim, isso ele o diz a Pedro, mastambém a todo cristão: “segue-me, tu também, nu como nu o sou, livre de todo apego como livre o sou”. Por isso é que Jeremias afirma: “ Chamar-me-ás de Pai e não te cansarás de andar atrás de mim” (3,19). Segue-me, portanto, e joga fora o peso que levas, pois, carregado como estás, não podes andar atrás de mim quecorro. “Corri, diz o salmista, tendo sede” (Sal 61,5); sede, entende-se, de salvar a humanidade. E para ondeele corre? Na direção da cruz. Por isso, corre também tu atrás de Cristo para que assim como ele tomou suacruz por ti, tu também tomes a tua cruz por ti. Lê-se no evangelho de Lucas: “Se alguém quer vir após mim,renegue a si mesmo” (9,23), quer dizer, sacrifique a própria vontade, tome sua cruz mortificando a carne,todos os dias, isto é, continuamente, e assim siga-me. Portanto: segue-me! Ou então, se quiseres vir a mim eencontrar-me, segue-me, isto é, procura-me à parte. Ele diz aos discípulos: “Vinde à parte a um lugar desertoe descansai um pouco. Com efeito, tão grande era a multidão que ia e vinha que ele não tinha nem mesmo otempo para comer” (Mc 6,31). Que coisa! Quantas paixões da carne, que multidão de pensamentos vão evêm pelo nosso coração! E assim não temos nem o tempo de nos alimentar com o alimento da eterna doçura,nem de sentir o sabor da contemplação interior. Eis porque o bondoso Mestre diz ainda: “Vinde à parte, paralonge da multidão, vinde a um lugar apartado, isto é, à solidão interior, da mente e do corpo, e descansai umpouco. Sim, “um pouco”, porque como diz o Apocalipse: “Fez-se silêncio no céu por mais ou menos uma meiahora” (8,1) e o Salmo 54,7: “Quem me dará asas de pomba para voar e encontrar repouso?”. E o profetaOséias também diz: “Eis que eu a amamentarei e conduzi-la-ei ao deserto e lhe falarei ao coração” (2,16).Nestas três expressões (amamentarei-conduzirei-falarei ao coração) podem-se notar também três situações:aquela de quem está no começo, aquela de quem está progredindo e aquela de quem já está na perfeição. Éa graça que amamenta quem está no começo e o ilumina para que cresça e progrida de virtude em virtude; epor isso o conduz do barulho dos vícios, do tumulto dos pensamentos à solidão, isto é, à quietude interior damente. Aí então, torna-o perfeito, fala-lhe ao coração e ele sente a doçura da inspiração divina e pode elevar-se de corpo e alma à alegria do espírito. E então, como é grande em seu coração a devoção! E como sãograndes também a contemplação e o êxtase! Através da grandeza da devoção, a pessoa eleva-se acima de simesma. Através da sublime contemplação ela se sente como que transportada ainda acima de si mesma e,através do êxtase, ela é levada como para fora de si mesma. Por isso: “segue-me”. O Senhor fala como umamãe carinhosa que quando está ensinando seu nenê a caminhar, mostra-lhe o pão ou uma maçã e lhe diz:“Vem, vem, eu vou te dar!” E quando a criança está pertinho, pronta para pegar, a mãe, devagarinho.. vai seafastando e dizendo-lhe, mostrando o pão e a maçã: “Vem, vem, pega!” Existem também pássaros que tiramdo ninho seus filhotes e, voando, os ensina a voar e segui-los. Assim faz Cristo: ele mesmo se coloca comoexemplo para que o sigamos e promete o prêmio no Reino dos Céus.3. Segue-me, portanto, porque eu conheço o bom caminho pelo qual conduzir-te. No Livro dosProvérbios encontra-se escrito a este propósito: “Mostrar-te-ei o caminho da sabedoria. Conduzir-te-ei peloscaminhos da retidão. Quando neles entrares, teus passos não serão trôpegos e, se correres, não haverás detropeçar” (4,11-12). O caminho da sabedoria é o caminho da humildade. Bem diferente é o caminho daestultícia, porque é o caminho do orgulho. Jesus mesmo no-lo mostrou quando disse: “Aprendei de mim quesou manso e humilde de coração e encontrareis descanso para vossas almas” (Mt 11,29). O caminho éestreito, dá apenas para dois pés, de tal modo que nenhum outro possa passar. Diz-se em latim `semita’, istoé, “meia estrada”,`semis iter’, pois “semis” quer dizer metade e `iter’ quer dizer caminho. Caminhos da retidãosão os da pobreza e da obediência. Por eles é que Cristo te conduz com seu exemplo, ele mesmo pobre eobediente. Nesses caminhos não existe estrada tortuosa; tudo é bem plaino, bem reto! Mas o que causamaravilha é o fato que, mesmo sendo assim tão estreitos, os passos dados neles não são indecisos, sem jeito. O caminho do mundo, ao contrário, é largo e espaçoso. E, no entanto, os seculares, aqueles que vivemsegundo o mundo, acham que ele nunca é suficientemente largo: são como bêbados que acham sempreestreito qualquer caminho, mesmo o largo. Com efeito, a maldade tem uma estreiteza conatural. A pobreza ea obediência, ao contrário, contêm, é claro, uma restrição, mas por isso mesmo doam também liberdade,porque a pobreza torna rico e a obediência livre. Quem percorrer esses caminhos seguindo a Jesus, jamais
 
encontrará o tropeço das riquezas ou o tropeço da própria vontade. Segue-me, portanto, e mostrar-te-ei“aquilo que olho não viu, ouvido não ouviu nem penetrou em coração de homem” (1Cor 2,9). “Segue-me edar-te-ei, diz Isaías, tesouros escondidos e riquezas ocultas” (45,3). E o mesmo: “Ù vista disso ficarás radiantede alegria e teu coração estremecerá e se dilatará” (60,5). Haverás de ver a Deus face a face, assim como eleé e te encherás de delícias e riquezas na dupla estola da alma e do corpo. Teu coração admirará as ordensdos anjos e a moradia dos bem-aventurados e, por causa da imensa felicidade, se dilatará na exultação e nolouvor. Portanto: segue-me! II - O Amor de Cristo para com o seu discípulo fiel.4. O amor de Cristo para com a pessoa que lhe é fiel é bem demonstrado, por exemplo, na seguintepassagem: “Pedro, então, tendo-se voltado, viu que o estava seguindo o discípulo que Jesus amava, aqueleque na ceia tinha se inclinado sobre o seu peito” (Jo 21,20). Quem realmente segue a Cristo, deseja quetodos sigam o Senhor. Eis porque se dirige ao próximo com carinho, com oração devota e com a pregação. Ovoltar-se de Pedro significa exatamente isto e concorda com o final do Apocalipse - “O esposo e a esposa, istoé, Cristo e a Igreja, dizem: Vem! E quem escuta diga por sua vez: Vem! (22,17). Cristo, por meio da inspiraçãoceleste, e a Igreja, por meio da pregação, dizem ao homem e à mulher: Vem! E quem ouve essas palavras,diga por sua vez ao próximo: Vem! Não queres seguir a Jesus? Portanto: tendo-se voltado, Pedro viu que oestava seguindo aquele discípulo que Jesus amava. E Jesus ama quem o segue. No livro dos Números diz-seo seguinte: “O meu servo Caleb, que me seguiu fielmente, eu o introduzirei na terra que ele percorreu. E a suageração dela tomará posse” (14,24). A Glossa, sem dizer o nome, mas com as palavras “que Jesus amava”está indicado o discípulo João e ele se distingue dos outros não porque Jesus amasse somente a ele, masporque amava mais a ele do que aos outros. Amava também os outros, mas a este o amava com “maior afeição”. E Jesus gratificou-o com uma ternura maior de seu amor, pois o havia chamado quando era aindavirgem e virgem ele permaneceu; por isso a ele Jesus confiou sua própria mãe. Este foi um gesto imenso deamor! Somente João repousou a cabeça no peito de Jesus” no qual estão encerrados todos os tesouros dasabedoria e da ciência” (Col 2,3). Nesse mesmo gesto estava como que prefigurado o fato dos inumeráveissegredos divinos que ele haveria de escrever, a diferença dos demais evangelistas.5. Pode-se observar também que Jacó descansou sobre uma pedra e João sobre o peito de Jesus.Aquele durante a caminhada, este durante a ceia. Em Jacó são representados os peregrinos sobre a terra,em João os bem-aventurados. Aqueles, durante a caminhada terrena, estes, já chegados à pátria celeste. Nolivro do Gênesis, se diz: “Jacó partiu de Bersabéia e dirigia-se a Haran. Querendo descansar, pegou umapedra, colocou-a sob a cabeça e dormiu. E, em sonho, viu uma escada em pé e anjos subindo e descendopor ela e o Senhor no topo da escada.” (28,10-13). Jacó é o justo ainda peregrino sobre esta terra onde temmuito que lutar. Ele sai de Bersabéia que significa “sétimo poço” e representa o poço sem fundo da cobiçahumana, exatamente como o sétimo dia do qual se lê não ter fim. Dirige-se rumo a Haran que significa “alto” erepresenta por isso a Jerusalém celeste. O profeta Habacuc o diz: “Subirei e me unirei ao nosso povo já empaz”, o nosso povo que triunfou sobre a maldade do século. E, por desejar aliviar o cansaço de suaperegrinação, o justo coloca sob a cabeça uma pedra e adormece. A cabeça é a mente. A pedra é a firmezada fé. A escada em pé representa o duplo amor a Deus e ao próximo. Os anjos são os homens justos quesobem até Deus elevando-se com suas mentes, mas abaixando-se até próximo através da compaixão. Apessoa justa, então, durante a peregrinação terrena, coloca a mente na firmeza da fé para descansar. Eisporque está escrito nos Provérbios: “O arganaz, uma espécie de marmota, por sua natureza, é fraco e faz seuesconderijo na pedra” (30,26). O arganaz, animal tímido, representa quem é fraco no espírito e por isso nãosabe opor-se com força aos ataques de qualquer espécie e coloca na pedra da fé o travesseiro da suaesperança para aí poder descansar e dormir e ver elevar-se em si mesmo a escada do amor. Observe-se queo Senhor está no topo da escada por dois motivos: para sustentá-la e para acolher os que nela sobem. Narealidade ele sustenta o peso da nossa fragilidade de modo a estarmos em grau de subir a escada atravésdas obras do amor. E ele acolhe aqueles que sobem para que possamos também nós tornar-nos eternos ebem aventurados com ele que é eterno e bem aventurado. E então, naquela ceia que nos saciará parasempre, descansaremos, com João, sobre o peito de Jesus. O coração no peito é o amor no coração.Descansaremos em seu amor, porque haveremos de amá-lo com todo o coração e com toda a alma eencontraremos nele todos os tesouros da sabedoria e da ciência. O amor de Jesus! Que tesouro colocado noamor! Que sabedoria de inestimável sabor! Que ciência ele nos faz conhecer! “Serei saciado, diz o salmista,quando aparecer a tua glória” (16,15) e “Esta é a vida eterna: conhecer a Ti, o único verdadeiro Deus e aqueleque enviaste, Jesus Cristo” (Jo 17,3). A Ele sejam dados louvor e glória pelos séculos eternos. Amém.(Na Festa de São João Evangelista, III,pg.31-35)Traduzido diretamente dos originais em latim por frei Geraldo Monteiro, conforme a edição crítica: “SermõesDominicais e Festivos, III volume, Pádua, 1979, Ed. Messaggero Padova”.
 
Deixemos a vaidade do mundo!
“Jesus, tendo saído daquele lugar, retirou-se para a região de Tiro e Sidônia...”(Mt 15,21). “Jesus,tendo saído...”etc. A saída de Jesus representa a saída de toda pessoa humana que se converte e sai davaidade do mundo. Sobre isto, se lê e se canta na história deste domingo (2º da Quaresma): “Tendo Jacósaído de Bersabéia partiu para Harã (Gn 28,10). Eis como concordam os dois Testamentos: “Jesus, tendosaído daquele lugar, retirou-se para a região de Tiro e Sidônia”, diz Mateus. “Jacó, tendo saído de Bersabéia,partiu para Harã”, diz Moisés no Gênesis. “Jacó é interpretado como 'suplantador’ e representa o pecador convertido que, sob a planta (do pé) da razão pisa, esmaga a sensualidade da carne. Ele sai de Bersabéia,que se interpreta `sétimo poço’, indicativo da insaciável cobiça deste mundo que é a raiz de todos os males.Deste poço fala João no seu evangelho, colocando as palavras da Samaritana na conversa com Jesus:“Senhor! Nem sequer tens uma vasilha e o poço é profundo”. E Jesus responde: “Todos aqueles que beberemdesta água, ainda terão sede” (Jo 4,11.13). Ó Samaritana! Disseste com toda razão e verdade que o poço éprofundo. Com efeito, a cobiça do mundo é profunda, exatamente porque não tem o fundo da suficiência, dasaciedade. Por isso, quem quer que seja que beber da água deste poço, entendida como riquezas e prazerestemporais, terá sede de novo. E é verdade mesmo, devemos repetí-lo, porque até Salomão o diz nasparábolas: “A sanguessuga tem duas filhas que dizem: Quero mais, quero mais” (Pv 30,15). A sanguessuga éo diabo que tem sede da nossa alma e deseja bebê-la. Suas são a duas filhas, isto é, as riquezas e osprazeres que sempre dizem: “Quero mais, quero mais” e nunca “Basta!” Diz também o Apocalipse: “Do poçosubiu uma fumaça como a fumaça de uma grande fornalha, de modo que o sol e o ar ficaram escuros por causa da fumaça do poço. E da fumaça se espalharam gafanhotos pela terra” (9,2-3). A fumaça que cega osolhos da razão sobe do poço da cobiça mundana que é a grande fornalha da Babilônia. Por causa dessafumaça é que se obscureceram o sol e o ar. O sol e o ar simbolizam os religiosos. “Sol”, porque os religiososdevem ser sempre puros, cheios de afeição e lúcidos: puros pela castidade, cheios de afeição pelo amor elúcidos pela pobreza. “Ar”, porque eles devem ser “aéreos”, quer dizer, contemplativos. Infelizmente, por causa de nossos pecados, saiu a fumaça do poço da cobiça e já defumou a todos. É por isso que Jeremiasdeplora nas Lamentações: “Ai! Como se escureceu o ouro, como mudou sua mais esplêndida cor!” (Lm 4,1).Sol e ouro, ar e cor esplêndida significam a mesma coisa. O esplendor do sol e do ouro se obscureceu, o ar ea cor mudaram. E observe-se bem a exatidão com que Jeremias disse: “escureceu e mudou”. Com efeito, afumaça da cobiça escurece o esplendor da vida religiosa e obscurece a esplêndida cor da contemplaçãoceleste, na qual o vulto da alma torna-se misticamente invadido por uma esplêndida cor, isto é, torna-secândido e vermelho: cândido pela encarnação do Senhor, vermelho pela sua paixão, cândido pelo brancomarfim da castidade, vermelho pelo ardente desejo do esposo celeste. Lamentavelmente, esta esplêndidacor, hoje em dia, está bastante deteriorada porque foi defumada pela fumaça da cobiça, sobre a qual aindaestá escrito: “E da fumaça do poço saíram gafanhotos pela terra”. Os gafanhotos, pelos saltos que dão,representam todos os religiosos, os quais, com ambos os pés da pobreza e da obediência, devem saltar paraa altura da vida eterna. Infelizmente, porém, com um salto para trás, da fumaça do poço, eles saíram pelaterra e, como se diz no Êxodo, “cobriram a superfície da terra” (10,5). Hoje não se vêem mercados, não sefazereuniões civis ou eclesiásticanas quais não se encontrem monges religiosos. Compraerevendem, “constroem e destroem, tornam redondo o que era quadrado” (Horácio, Epist.), isto é, torcem eretorcem qualquer coisa. Nos processos convocam as partes, brigam diante dos juizes, pagam legistas eadvogados, induzem testemunhas a jurarem junto com eles por coisas transitórias, frívolas e vãs. Dizei-me, óreligiosos insensatos, se nos profetas ou nos evangelhos de Cristo ou nas cartas de Paulo, se na regra deSão Bento ou de Santo Agostinho vós encontrastes essas brigas, essas distrações, esses clamores e essasdeclarações nos processos por coisas efêmeras e caducas. Ou pelo contrário, não é o próprio Senhor que dizaos Apóstolos, aos monges, a todos os religiosos e não a modo de conselho, mas de ordem mesmo, já queescolheram o caminho da perfeição: “Eu vos digo: amai os vossos inimigos, fazei o bem àqueles que vosodeiam; abençoai aqueles que vos amaldiçoam, orai por aqueles que vos caluniam. E a quem te bate numaface, apresenta-lhe também a outra. E a quem te leva o manto, não recuses a túnica. Dá a quem te pede enão reclames de quem toma o que é teu. Como quereis que os outros vos façam, fazei também a eles. E seamais apenas os que vos amam, que méritos tereis? Os pecadores também amam aqueles que os amam. Ese fazeis o bem aos que vo-lo fazem, que méritos tereis? Até mesmo os pecadores agem assim” (Lc 6,27-33).Esta é a regra de Jesus Cristo que deve ser preferida a todas as regras, instituições, tradições, invenções,porque “não há servo maior que seu patrão, nem apóstolo maior que aquele que o enviou” (Jo 13,16).Observai, escutai e vede, ó povos todos, se existe bobeira, se existe presunção igual à deles. Em suas regrase constituições está escrito que cada monge ou cônego tenha duas ou três túnicas e dois pares de calçados,de acordo com o inverno ou o verão. Se por acaso acontece de não terem essas coisas no tempo e no lugar que querem, dizem que não se está observando o que é mandado e isso vai mesquinhamente contra a regra.Olhai com que escrúpulo querem observar a regra naquilo que é prescrito em vantagem do corpo, mas aregra de Jesus Cristo, sem a qual não podem salvar-se, observam pouco ou nada. E o que direi do clero edos prelados da Igreja?

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